Visualizações

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

O QUE FAZEM OS VAGALUMES DE DIA

O QUE FAZEM OS VAGALUMES DE DIA
De: Luis Fernando Verissimo, (Comédias da Vida Privada)

- Pa-ô-la (desde o começo ele a chamara assim, como se o nome dela fosse espanhol), este nosso caso... 
- Que caso? 
- Nós não estamos tendo um caso? 
- Que idéia, Dan! 
Ele se chamava Daniel. 
- Se nós não estamos tendo um caso, estamos tendo exatamente o quê? 
- Sei lá, mas caso não é. 
- Pa-ô-la... 
- Caso é assim uma coisa clandestina. Adultério. Precisa ser casado. 
- Acho que quando tem sexo no meio, é caso. Independente do estado civil. 
- Que idéia! Nada disso. O que nós estamos tendo é um namoro. 
- Não. Namoro eu conheço. Não é namoro. 
- Então é amizade. Só porque a gente dorme junto não pode ser amizade? 
- Pa-ô-la. Há sete meses nós só dormimos um com o outro. Nos vemos todos os dias. Andamos abraçados na rua. 
- Então. Uma boa amizade. 
- Comemos sorvete de casquinha com a mesma colher, Pa-ô-la. 
- E daí? 
- Em certas sociedades primitivas, comer sorvete de casquinha com a mesma colher vale mais do que pacto de sangue. 
- Não vem. 
- E o que você diz quando você está tendo um... 
- Eu sei o que eu digo! 
- “Dan, Danzinho, amor, vida, paixão.” 
- É a emoção, ora. Nessas horas a gente diz qualquer coisa. Uma amiga minha grita o nome de todos os apóstolos. E você, que quando me vê só falta chorar? Mesmo que a gente tenha dormido junto na noite anterior. Oito horas sem me ver e faz um escândalo. 
- Mas eu estou tendo um caso com você. Um caso muito bonito. Pena que você não esteja participando dele. 
- Não vem, Dan. 
- Não. Tudo bem. Somos apenas bons amigos. Onde está escrito “Dan, Danzinho, amor, vida, paixão”, leia-se “Ai que bom”. 
- Está certo. Não é amizade. Mas não é caso. 
- Romance. 
- Também não. 
- Um espasmo. Um descontrole hormonal. 
- Pára. 
- Uma história. 
- Isso. Uma história. Está rolando uma história entre nós. 
- Que tipo de história? 
- Como, que tipo? 
- Cômica, séria, trágica... Acaba como? 
- E eu sei? 
- Só pra minha orientação. 
- Por que isto, de repente? Por que esta preocupação? Estamos tendo um ca... uma história legal, sem grilo... 
- Mas nós não sabemos o que é. Você não tem necessidade de saber o que está acontecendo com você? 
- Pra quê? Deixa acontecer. 
- Imagina se esta história acaba num crime. Tudo que está acontecendo agora ganha outro significado. Nós podemos estar vivendo o prólogo de uma tragédia sem saber. Se a gente soubesse o que é, e como acaba... 
- Ah, é? Se eu soubesse que você ia me matar no fim, sabe o que eu fazia? Matava você agora. Rá, rá. Mudava o fim. 
- Exatamente! Nós precisamos saber o que está nos acontecendo para agir conscientemente, para aproveitar melhor a história e até mudá-la. 
- E, mesmo, você é incapaz de matar uma mosca. 
- Mas você não me viu com mosquitos. 
- Quer saber de uma coisa? 
- Uma vez, quando eu era guri, desmembrei uma formiga. Você não me conhece. 
- Me ouve. 
- E se esta história acaba em casamento? Filhos, essas coisas. Hein? E se acaba em almoços de Domingo e planos de saúde? Nós precisamos saber no que estamos nos metendo! 
- Sabe que eu acho que vou mesmo matar você? Assim você fica sabendo o fim e pára de chatear. 
- Pa-ô-la... 
- Taí. É um conto. 
- Um conto?! 
- Daqueles que começa no meio de um diálogo, não acontece nada e termina no ar. Ninguém fica sabendo o que vai acontecer depois. 
- Não faz isso comigo, Pa-ô-la. 
- Com um título que não tem nada a ver com nada. 
- Um conto, Pa-ô-la? Isto é só um conto? Um naco de história? Um diálogo perdido? Um...

Fonte: