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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

CULTO AO PRAZER

CULTO AO PRAZER

É manhã. Oito horas. A chuva cai, molha a face, lava a alma, traz suspiro. Respiro. Passos longos, trêmulos me aproximam do meu destino, por enquanto é longe, longe, longe... Nesse intervalo penso qualquer coisa sobre as frutas que levo ali, sobre o tempo que se discorre, sobre as pessoas... Não! Melhor não pensar em pessoas.

Enfim, chego. Que bom que há braços que abraçam, trazem calma, segurança ao corpo todo que treme - pelo frio que faz, pelo calor do instante, talvez. Os lábios se tocam fazem-se abrigo. De tudo que há naquele espaço meus olhos fitam num canto um colchão, um altar. Havia um silêncio, por ora, apenas o que se percebia era o bastante: um altar, o silêncio. Porque para além daquele silêncio, existiam ali dois corpos que se comunicavam e uma sintonia que fazia um olhar compreender, ouvir o que o outro dizia; entender o que o corpo, santuário do outro, queria. Assim, sem muitas palavras, aliás, sem palavra alguma, entretanto num diálogo complexo, os corpos - ajoelhados - se falavam, se sentiam por inteiro em descoberta. O dia fluia em ritual e tudo era como um culto, nossos corpos, vinho, frutos em oferenda oculta ao prazer.


As unhas em carinhos leves nas costas descortinavam o corpo que a roupa escondia. Meus seios naquelas mãos. Meus olhos , sem outros que os vigiassem, agora podiam estar e estavam presos aos olhos famintos dele. Despia-me. De leve... Intenso... Em fogo! Corpos inquietos, contemplavam-se em brasa. Algo interior nos fazia inflamar, em chamas, como as das velas, acesas, reflexos reluzentes.


Um incenso aceso, a chuva fina na janela, vinho, duas taças. Não havia mais como duvidar, eu estava ali e era inteira sentidos dispostos ao prazer, entregues à loucura, aos devaneios de outrora. Este era meu desatino, refletido no olhos do mulato libertino. A cada instante melhor aquele corpo me falava dos seus desejos devassos, melhor sabia e melhor saciava os meus. Nesse diálogo silencioso as línguas brincavam, as bocas sorriam, gemiam, sussurravam. OS meus cabelos da cor daquela pele, estavam sobre a face do "mulato, pele negra, dente branco", estavam molhados de suor. Éramos posse do prazer.

Os nossos corpos nus exalavam perfumes de desejo, tentação em sabores. Tanto toque, circular, de leve, forte. Até que sinto o homem, haste em pico na língua, deslizando na saliva, preenchendo minha boca. E como na primeira vez, aquela boca em mim, flor de lótus posta, aberta, úmida pela talante, esperando o toque molhado, sutil e intenso daquela boca, a suavidade daquele movimento preciso de quem me queria pra si. Ponte pra unicidade dos corpos, para a comunhão. "Sente o vento nos teus cabelos?" - dizia o homem, "É a vida libertina que te toca". Viria o ápice do ritual. Pelo prazer! Pelo prazer um corpo sobre o outro se encaixava, lento, devagar se aconchegava, escorregava buscando abrigo. "Calma, sem pressa!". Perfeita simetria, perfeito movimento. Enfim, era meu, sendo meu era único (como me dissera outrora), éramos um. Era o princípio, o alfa, carinho, gemidos e gritos: prazer ao extremo reforçado pelos sentidos. As faces em êxtase, plenamente entregues à exaustão do desejo.

Três horas. O tempo, tormento! Se ia... O prazer era molhado, embebevecido pelo beijo, pelo suor. Gotas e gotas, o líquido sacro que escorria pelas coxas precedia e anuciava o estouro das nuvens, o tremor das pernas, o palpitar intenso do coração, o respirar ofegante. Delírios... Silêncio... Orgasmos.

Chuveiro gelado nas costas. Espumas de frescor, aquele corpo em minhas mãos, aquelas mãos nos meus mamilos endurecidos pelo prazer que aquela imagem me trazia. Água fria, nem ela pra dirimir o calor do fogo que se intalara naquele lugar.Purificamos e misturamos os nossos corpos, sacro e profano. Repetia-se o ritual. Profundo, perfeito como nunca houvera. Bebi a vida naquele dia, inebriada por longos goles de vinho, que dele vinha. Permiti-me entontecer. Senti o cheiro do proibido, provei do gosto do pecado naquele homem. Era místico tê-lo, guardá-lo dentro de mim, como se fosse meu, meu brinquedo, meu homem. Embriaguei-me do mulato, tinto sacro na tarde profana. Tão profana quanto calmo é o que é santo, vivi a calma do universo silencioso, silêncio que vinha das órbitas, dos deuses. Nada falava-se no Olimpo. A paz dos astros!

Cinco horas. Vi que o sol já se fora, a tarde caiu como a chuva que escorria na janela. Ficaram ali os meus cabelos, o meu suor, o meu cheiro. Pus-me de volta à realidade, à sanidade que a hipocrisia nos cobra, deixei de viver naquele fim de tarde, voltei a existir. Purificada pela comunhão dos corpos, pelo corpo curvado, servidão ao prazer. Fiz o que quis e ninguém seria capaz de ler na minha face ou na daquele mulato o ritual que a nossa exaustão escondia. Voltei à minha rotina, o homem voltou a dele. Os olhos que se devoravam, ainda famintos não mais fazem de si alimento... Até que o desejo das manhãs solitárias e a loucura das tardes silenciosas nos abrace outra vez.

YVANNA OLIVEIRA
Mais textos da autora em: http://assimsolta.blogspot.com/